A explosão de “edições especiais” e coleções temáticas virou atalho para crescer audiência e acelerar discussões científicas — e, infelizmente, também um flanco aberto para abusos editoriais. Em julho de 2025, a COPE publicou uma diretriz formal para orientar editores e publishers sobre como hospedar coleções editadas por convidados com segurança e qualidade, consolidando riscos conhecidos e procedimentos de mitigação.
O documento parte de um ponto simples: coleções bem conduzidas ampliam o alcance do periódico e incentivam colaboração em áreas novas e estabelecidas; porém, sem governança, elas podem degradar a integridade editorial. A proposta é oferecer critérios práticos, checklists e responsabilidades claras — do convite ao pós-publicação — para blindar o processo.
Por que coleções editadas por convidados importam — e preocupam
Coleções temáticas são uma via legítima para reunir pesquisas focadas, aprofundar tópicos ou até expandir o escopo do periódico ao atrair novas comunidades de autores. Também funcionam como “escola” para novos editores e vitrine para leitores que ainda não conhecem o periódico. O lado B: há dúvidas sobre a qualidade do conteúdo, a robustez da revisão por pares, marketing indiscriminado para captar manuscritos, maior incidência de endogenia e suscetibilidade a manipulações organizadas, como fraudes de peer review, conflitos financeiros, cartéis de citação e paper mills. O resultado é que coleções precisam de escrutínio reforçado.
Riscos centrais a monitorar
A diretriz agrupa os riscos em cinco frentes: validação de identidade, ethos editorial, aderência de escopo, ética de publicação e condutas-alvo como cartel de citações e uso de paper mills. Em muitos periódicos, serviços de indexação já avaliam tanto o volume de coleções quanto a endogenia do editor, o que torna a gestão responsável um fator de reputação e elegibilidade.
Validação de identidade e “propostas tentadoras”
Editores relatam aumento de propostas vindas de desconhecidos — algumas ligadas a conferências questionáveis, paper mills ou até geradas por IA. A orientação é checar histórico público, ORCID ou página institucional, buscar indícios de manipulação de revisão por pares e retratações, e garantir que a aprovação final de convidados caiba ao editor-chefe ou editores permanentes.
Fraudes de revisão por pares, roubo de identidade e paper mills
Redes de “revisores” com e-mails falsos, autores avaliando os próprios manuscritos e anéis de pesquisadores que sistematicamente aceitam trabalhos uns dos outros são padrões conhecidos de fraude. A verificação de identidades de autores, revisores e editores — e o consentimento de todos os autores na submissão — é mandatória. Paper mills visam coleções justamente porque esperam menor vigilância ou conivência de algum convidado.
Cartéis de citação e autocitação coercitiva
Coleções podem virar plataforma para autopromoção: exigência de citar o próprio editor, pedidos repetidos de referências a um conjunto fechado de autores, ou grupos combinando citações cruzadas. Além de antiético, o padrão é detectável por indexadores e pode custar a permanência em bases. O recado é claro: monitorar e intervir.
Governança: quem manda é o editor-chefe
Mesmo em coleções conduzidas por convidados, a responsabilidade editorial final é do editor-chefe (ou editor decisor) e da equipe do periódico. Se surgirem indícios de má conduta, a revisão por pares da coleção deve ser suspensa, e artigos já publicados reavaliados; expressões de preocupação durante a investigação são recomendadas. Se a equipe não consegue supervisionar de perto, limite o número de coleções ou acrescente editores acadêmicos permanentes com expertise na área.
Etos, escopo e indexação: o básico que decide tudo
Convidados precisam receber, por escrito, termos e condições, filosofia editorial, política de escopo, critérios de novidade/impacto e como a revista lida com resultados negativos. Desvios frequentes do escopo podem acionar reavaliações por indexadores e até deslistagem; por isso, monitorar aderência de cada artigo à missão do periódico não é burocracia — é proteção de marca e de legado científico.
Conflitos de interesse: declare cedo e sempre
Conflitos reais, potenciais ou percebidos — inclusive entre revisores e autores — precisam ser informados o quanto antes e avaliados por editor ou equipe treinada. Se houver financiamento externo, aplicam-se as recomendações do ICMJE, preservando a independência editorial. Transparência também vale para APCs: convites baseados em isenção de taxas devem seguir a política do periódico e constar nas diretrizes aos convidados.
Capacitação e acompanhamento: onboarding não é perfumaria
A melhor defesa é começar pelo começo: onboarding rigoroso dos convidados, com supervisão ativa de editores-chefes e acadêmicos da casa, além de auditorias regulares para detectar padrões anômalos de submissão, revisão e citação. Pareceres, prazos e expertise de revisores devem ser verificados; se houver irregularidades, investigue e congele o fluxo da coleção.
Checklists que viram rotina
A diretriz traz checklists objetivos para antes e durante o projeto: validar credenciais de editores convidados com aprovação final do editor-chefe; entregar e obter aceite escrito das diretrizes da casa; deixar claras responsabilidades e fluxos; auditar periodicamente o peer review; e manter um sistema para identificar tendências suspeitas, como volumes atípicos sob um mesmo convidado ou solicitações coercitivas de citação. Publique, no site da revista, o procedimento de decisão e pontos de contato.
Limite saudável de coleções
Publicar muitas coleções simultaneamente pode afetar independência e credibilidade, especialmente se houver dúvidas sobre a aplicação dos princípios éticos usuais. Para mitigar, limite o número de projetos ao que seu time consegue supervisionar diretamente.
Um exemplo prático
Imagine que chega uma proposta de coleção “quente”, com promessa de grande volume em pouco tempo e isenção de taxas para convidados. O roteiro sugerido pela COPE é inequívoco: verifique perfis e histórico dos proponentes, valide expertise, peça declarações de conflito de interesse, deixe explícita a política de APCs, publique o processo decisório no site e desenhe a supervisão por editores permanentes. Se, no caminho, surgirem convites “em massa” com assinatura de editor sem consentimento, indícios de autocitação coercitiva ou revisores com e-mails suspeitos, suspenda a coleção e audite o que já foi publicado.
Conclusão que vale como política da casa
Coleções editadas por convidados podem ser potência editorial — desde que a governança não seja terceirizada junto com o convite. Com critérios explícitos, vetting sério, transparência e auditoria recorrente, você colhe o melhor lado das coleções sem abrir brecha para o pior. A decisão não é “fazer ou não fazer”; é “como fazer direito, sempre”.
Fonte: COPE Council, publicationethics.org
Assine nossa newsletter
Nossa newsletter agora está no Substack e você pode se inscrever gratuitamente para recebê-la diretamente em seu email, ler no app e acessar todo o conteúdo do ecossistema Peletron!